Frustração
Sem camarão, mais uma vez
Alguns profissionais já falam em abandonar a profissão, mas quem fez isso a vida inteira e não sabe outro ofício
Jerônimo Gonzalez -
Frustração que parece não ter fim. Pelo quinto ano consecutivo os pescadores da Colônia Z-3 se desapontam com a expectativa criada em relação à safra de camarão, liberada a partir desta quarta-feira (01). O motivo é o mesmo: a lagoa não salga a tempo dos crustáceos atingirem tamanho para captura. O vilão é novamente a chuva. O excesso de precipitação mantém a Lagoa dos Patos doce, o que não é um bom prenúncio.
O presidente do Sindicato dos Pescadores, Nilmar Conceição, diz que a situação está complicada novamente em Pelotas e São Lourenço do Sul. “Se der sol a lagoa vai salgar, mas aí será tarde para dar camarão”, comenta. Alguns pescadores que fizeram financiamento estão preocupados em como vão arcar com a dívida contraída, porque pescar tainha e corvina não vai salvar a situação, segundo o dirigente sindical.
É um dos anos mais difíceis entre os últimos, fala Conceição, ao acrescentar que havia toda uma aposta para este ano e de repente mais uma frustração. Antes da crise econômica que assola o país os pescadores recorriam aos governos estadual e federal, mas agora é difícil e alguns profissionais já falam em abandonar a profissão. Mas quem fez isso a vida inteira e não sabe outro ofício, fica sem saber o que fazer.
“Estudar não estudei, porque não deu tempo”, comenta Otavilino Costa Ortiz, 63 anos e pescador desde os oito. Acompanhava o pai, se criou assim. Tem dois filhos, mas só um seguiu a saga do pai e do avô. Ortiz não se entregou e ainda tem uma pequena esperança, mas admite que está difícil ser otimista às vésperas da abertura da safra. “A água salgou, mas a maré virou e ela tá adoçando de novo”, completa, desanimado.
Enquanto isso, os pescadores remendam as redes “para os grandes, que têm para pagar”, conta Enilton Souza Santos, 54. Ele está mais pessimista por conta da tainha, que também tem pouca e ainda há o risco de proibição de pesca. Preocupado com as contas para pagar, fala que consertar as redes é o meio de levantar um dinheiro, porque água, luz e venda não esperam. “Bico dali, daqui”, ressalta, ao se referir ao jeito que precisam dar para arcar com as despesas básicas para sua sobrevivência.
Já há profissionais vendendo os barcos
Não só tem gente querendo desistir da profissão, depois de tantas expectativas criadas em vão, como já há quem esteja vendendo as embarcações, relata Sidnei Teixeira Carvalhal, 49. A exemplo de seus companheiros, não está indo pescar para poupar, já que a despesa com óleo não compensa. Ele e quase todos os outros. Há muitos barcos ancorados. Raros os que saem. Carvalhal não acredita mais na reversão do cenário, até porque não há mais tempo hábil. Reclama ainda do preço que recebem pelo quilo, algo em torno de R$ 2,00. “Quem ganha é o atravessador”, afirma Santos. Adílson Rodrigues da Rosa, 50, garante que se tivesse estudo já tinha parado com a pesca há anos.
Números em Pelotas
-817 pescadores
-600 famílias vivem da pesca
-400 barcos registrados
Catarinense
Aos 72 anos, Geraldo Nicolit, ainda pesca. Quer dizer, quando isso é possível, corrige ele. Desanimado, pensa que na Z-3 tudo é prejudicado porque chove muito. O fato da água ter salgado no final de semana foi um alento e uma pequena esperança se acendeu novamente no idoso. Mas ele sabe que o tempo não pode voltar a ficar instável e lidar com isso é difícil. A rotina é acordar e olhar para o céu.
Ele é de Laguna, Santa Catarina. Veio para Pelotas com 16 anos. “Único pescador da família sou eu. Todo mundo é grandão. Cresci o olho e achei que ia ganhar dinheiro, por isso vim para cá. Estive em São José do Norte também, mas nunca ganhei dinheiro”, conta. O amigo Natalino Fernandes Campos, 74, é de poucas palavras e quando fala, apenas diz: “Não sei o que o governo vai fazer com nós.”
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário